Categories: Noticias Ambientales Date: Nov 10, 2016 Title: Conheça o plano mundial para lidar com o aquecimento global
O ano de 2016 se encaminha para ser o mais quente da história, e a concentração de dióxido de carbono na atmosfera nunca foi tão alta. É com esse climão que a Conferência do Clima no Marrocos discute neste mês o futuro do planeta
Não que conseguir erguer 349 quilos não mereça comemoração com rodopios e rebolados, mas o motivo pelo qual o levantador de peso David Katoatau mostrou seu gingado após prova na Olimpíada do Rio foi muito diferente do que se poderia pensar.
Apesar do sorriso no rosto enquanto dançava, ele, que ficou em sexto lugar, queria chamar a atenção da mídia internacional para um problema sério. Seu país, Kiribati, está condenado a desaparecer. Por culpa das mudanças climáticas, o Oceano Pacífico cobre ano a ano um pouco mais as ilhas e os atóis que formam a nação. Em décadas, os 100 mil habitantes vão precisar de um novo lugar para viver. “Nós não temos recursos para nos salvar”, disse ele, que conhece o problema de perto, já que a família mora em uma área sujeita a alagamentos.
O futuro de Kiribati — e de todo o planeta — está em discussão neste mês, entre os dias 7 e 18, em Marrakesh, no Marrocos. A COP-22 é a primeira Cúpula do Clima após a entrada em vigor do Acordo de Paris. Criado em dezembro de 2015, o documento conseguiu só no mês passado adesões suficientes para passar a valer.
De lá para cá, as notícias sobre o clima só pioraram. O ano de 2016 se encaminha para ser o mais quente de que se tem notícia desde 1880, quando a Nasa passou a monitorar as temperaturas de toda a Terra — o recorde anterior foi de 2015, e antes ainda, de 2014. Quinze dos 16 anos mais quentes ocorreram no século 21. Vamos dançar?
O Acordo de Paris entra em vigor neste mês, após os países-membros da União Europeia terem ratificado o documento. Veja quem já aderiu*
A humanidade se supera. Neste ano, o nível de dióxido de carbono na atmosfera atingiu o recorde de quase 410 partes por milhão — medida de CO2 no ar em relação a outros gases. O nível seguro seria de 350 partes por milhão. Isso significa que será mais difícil cumprir a meta do Acordo de Paris, de conter o aquecimento da Terra em até 2°C (de preferência em 1,5°C) acima dos níveis pré-industriais.
O esforço oficialmente começa agora. No total, o acordo já foi ratificado por 81 países, responsáveis por 60% das emissões globais. Para que ele entrasse em vigor, era necessária a adesão de ao menos 55 países que representassem 55% das emissões. Então já podemos ficar tranquilos? Na verdade, não. “Se a meta não for adaptada para o nível local, o acordo não vai ser cumprido”, diz Andrea Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
191 países já assinaram o acordo; 81 países já ratificaram o acordo; 60% das emissões globais vêm desses 81 países
Estamos perto do aumento de 1,5°C na temperatura média global. Para mostrar o problema, o cientista inglês Ed Hawkins criou gráficos em espiral com dados desde o século 19
Nos últimos dez anos, as emissões de dióxido de carbono cresceram muito
Países pouco populosos, mas com grande produção de petróleo, lideram emissões per capita
Quase todo o planeta esquentou em relação à temperatura média dos últimos cinco anos
Fontes: CAIT Climate Data Explorer — World Resources Institute, com base em dados de 2014 da International Energy Agency; Ed Hawkins/Climate Lab Book; Nasa Goddard Institute for Space Studies
O aquecimento global não é necessariamente ruim para todos; empresas já encontram oportunidades de novos negócios
Quem disse que as mudanças climáticas precisam ser só um problema? Para alguns setores, são oportunidade de negócios, como mostra McKenzie Funk no livro Caiu do Céu — O Promissor Negócio do Aquecimento Global (Três Estrelas), recém-lançado no Brasil. “A mudança climática costuma ser formulada como uma questão científica, econômica ou ambiental, e não como uma questão de justiça humana, como deveria ser com mais frequência. Isso também precisa mudar. A partir deste momento, muitos podem ficar ricos”, escreve o jornalista norte-americano, que visitou de fábricas de neve a seguradoras de áreas sujeitas a queimadas.
Para Mariana Nicolletti, gestora da Plataforma Empresas pelo Clima do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade) da Fundação Getulio Vargas, também no Brasil empresas estão atentas a novos negócios, principalmente em biocombustíveis e no setor florestal. “Elas têm se voltado cada vez mais para essa agenda positiva, como a gente fala, de oportunidades de negócios no cenário de emissões restritas”, diz.
Banquisa do Ártico, porção de água congelada no oceano, está menor; 2012 foi o pior em 30 anos
Área da banquisa do Ártico diminui em média 13,4% a cada década
Fontes: Nasa; National Snow and Ice Data Center; área medida por satélites nos meses de setembro, quando a banquisa atinge seu tamanho mínimo
Povoado no alasca decide trocar de território, mas quem paga o carreto?
Com cerca de 600 habitantes, o povoado de Shishmaref, no Alasca, provavelmente nunca viraria notícia mundo afora se não fosse pelo risco que corre de desaparecer em breve. Em agosto deste ano, os moradores aprovaram nas urnas a realocação do vilarejo, já que a área onde estão hoje, em uma ilha no Estreito de Bering, encolhe dia a dia por um processo de erosão da costa, acelerado pelo aumento do nível do oceano.
Além de Shishmaref, outras 30 cidadezinhas do estado norte-americano têm de dez a 20 anos para fazerem as malas antes que fiquem debaixo d’água, estima a ONG The Arctic Institute. Trocar de território, no entanto, não é tão simples quanto votar e simplesmente ir arrumar as trouxas. São necessários US$ 180 milhões para a mudança — verba que ainda não foi liberada. Haja grana: para a realocação dos considerados primeiros refugiados climáticos dos EUA, da Isle de Jean Charles, na Louisiana, já foram investidos US$ 48 milhões no início do ano.
Povoado de Shishmaref, no Alasca, fica próximo ao Estreito de Bering, entre os oceanos Pacífico e Ártico
Nos próximos 40 anos haverá 200 milhões de refugiados climáticos
Sabe aqueles sites com final “.tv”? Usado principalmente por páginas de vídeos, o domínio originalmente faz referência ao arquipélago de Tuvalu. Sejamos francos: acessar páginas “.tv” deve ser o maior contato que você já teve com esse país do meio do Pacífico, um dos mais sujeitos a sumir do mapa em breve.
Para Tuvalu e outras pequenas nações, o problema é justamente esse: poucos se importam com o seu futuro. Nas cúpulas do clima, a Aliança dos Pequenos Estados Insulares, que tem 44 países-membros, é uma das vozes que tentam gritar mais alto.
Até nos países mais ricos, não é fácil nem barato realocar cidades que vão desaparecer. Mas o custo, claro, é uma questão relativa. O programa da Holanda para reacomodação de populações tem orçamento de US$ 3 bilhões, escreve o jornalista McKenzie Funk no livro Caiu do Céu, “mais do que a soma de tudo o que já foi gasto por todos os fundos de mudança climática internacionais reunidos”.
Ao todo, 200 milhões de pessoas terão de se mudar até 2050, segundo o Relatório Stern, encomendado pelo governo britânico. É como se a população inteira do Brasil precisasse se deslocar. Com tudo isso, claro, as economias serão afetadas. Pesquisadores dos EUA calculam queda de 23% no PIB mundial per capita em 2100. Mesmo diante das perdas, porém, investir em programas contra o aquecimento é fundamental, diz Andrea Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. “O custo da inação é muito maior.”
Nível dos oceanos sobe em média 3,4 milímetros a cada ano
22,5 milhões de pessoas tiveram de se deslocar por eventos climáticos de 2008 a 2015. Fontes: Nasa Goddard Space Flight Center; Internal Displacement Monitoring Centre
Na contramão do resto do planeta, o país projeta bonança após geleiras derreterem
O antropoceno, a Era do Homem — nomenclatura defendida por geólogos para definir os tempos em que vivemos, com grandes mudanças naturais provocadas pela ação humana —, é a hora de a Groenlândia poder prosperar, após anos e anos com território quase inteiramente coberto de gelo, pouco favorável a atividades econômicas. Ao menos é nisso que acreditam políticos e empresários animados com o fato de que o país não só não vai afundar como ainda vai se erguer em consequência do aquecimento global.
Como se fosse um navio que se livra da carga, a Groenlândia tem subido em média quatro centímetros por ano, à medida que toneladas de gelo derretem — elevação vantajosa, porque é mais rápida que a do oceano.
Estudo publicado em agosto aponta que 270 gigatoneladas de gelo derreteram por ano entre 2011 e 2014. A quantidade é equivalente a 110 milhões de piscinas olímpicas cheias de água a cada ano.
Boa parte da campanha por mais independência em relação à Dinamarca, aprovada em referendo em 2008, foi baseada nas vantagens vislumbradas no território menos gelado: as geleiras derretem e deixam aparecer terras aráveis, depósitos de minerais e metais inexplorados e facilitam o acesso a reservas de petróleo. Pelo resultado do referendo, o pesquisador norte-americano McKenzie Funk considera a Groenlândia “o primeiro país do mundo criado pelo aquecimento global”.
Na Groenlândia, a massa de gelo perde, em média, 281 gigatoneladas por ano
Fonte: Nasa | *dados da massa de gelo nos meses de abril, de 2002 a 2014; **em 2016, dado até o mês de março
Mesmo que a temperatura da Terra suba somente até o limite estipulado no Acordo de Paris, por causa da elevação do oceano, o Brasil vai ficar com diversas áreas litorâneas debaixo d’água, de acordo com previsões de cientistas
Um dos indígenas entrevistados no documentário Para Onde Foram as Andorinhas?questiona: “Como vamos saber o tempo da nossa história acontecer se já perdemos os sinais que marcam o tempo?”. O filme, lançado recentemente, registra observações de moradores do Xingu sobre o clima: o voo das andorinhas não indica mais a chegada da chuva, as cigarras que marcavam o período de começar a plantar não cantam mais, a floresta pega fogo porque está seca.
“Dentro do Xingu, a temperatura é 5°C menor. O fato é que o clima fora dessas áreas de floresta é muito pior, mas a nossa percepção é grosseira. A denúncia no filme é brutal, mas traz uma denúncia muito mais forte por baixo”, diz Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental, uma das ONGs responsáveis pela obra.
Para o homem branco, se a percepção não é aguçada o bastante, as previsões científicas indicam o futuro do país: parte da costa ficará debaixo d’água mesmo se a meta do Acordo de Paris for cumprida. Mais de 40 milhões de brasileiros podem ser afetados. Além disso, a temperatura subirá em todos os biomas.
Litoral fluminense está entre as áreas que mais serão afetadas no país; observe projeção de inundação com um planeta 2°C mais quente
Fonte: Climate Central
Diminuição do desmatamento fará o país conseguir cumprir metas
Pode mandar preparar a faixa: “Brasil, você não fez mais que a sua obrigação”. Nas próximas décadas, aponta relatório do Observatório do Clima, poderemos erguê-la. Parte da culpa do Brasil no efeito estufa será mitigada com facilidade e, por isso, as metas deveriam ser mais ambiciosas. Só com melhoria no desmatamento, principal fonte de emissões do país, já se devem atingir os objetivos da Conferência do Clima de Copenhague em 2009 (reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões até 2020) e do Acordo de Paris (diminuir 37% até 2025 e 43% até 2030).
Daria para fazer melhor. As emissões de carros e motos, por exemplo, aumentaram 192% de 1994 a 2014, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente. No período, o número de passageiros de ônibus caiu 20% nas principais regiões metropolitanas. Para cumprir melhor o Acordo de Paris, Márcio Santilli, sócio-fundador da ONG Instituto Socioambiental, defende que o país tenha lei que esclareça as obrigações de cada setor e de cada estado, conforme o perfil. “A gente tem que se precaver contra possíveis consequências perversas, por exemplo, estados disputando empresas com uma espécie de guerra fiscal”, diz.
O brasil promete:
37% de redução das emissões de gases de efeito estufa até 2025*
43% de redução até 2030*
*Com base na quantidade de emissões de 2005
Previsões para o clima do Brasil são especialmente preocupantes para a Amazônia; veja como será a situação de cada bioma
Nove passos para diminuir sua cota de culpa no aquecimento global
O derretimento de geleiras significa a perda de importantes fontes de água doce do mundo — falta que, segundo projeções, não será compensada, mesmo com chuvas mais intensas. Será preciso viver com menos água.
É um ciclo vicioso: o calor aumenta, as pessoas usam mais aparelhos para se refrescar, isso consome energia e libera mais gases que farão o calor piorar. Invista em equipamentos que gastem menos eletricidade.
Reflita sobre o custo para o planeta de comprar produtos que viajam quilômetros e quilômetros para chegar até você. Adapte o seu cardápio aos alimentos da estação e da região. Procure também vestir marcas locais.
Adotar uma dieta vegana — sem produtos de origem animal — é fundamental para salvar o mundo da fome e de impactos climáticos maiores, recomenda a ONU. Se não puder largar a carne, ao menos modere o consumo.
14,5% dos gases de efeito estufa vêm da pecuária e da produção de laticínios
14 x é o quanto a carne bovina é mais nociva ao clima do planeta que a de frango
Prefira o transporte público e a bicicleta ao carro como meio de transporte, ainda mais se fizer os deslocamentos sozinho. Se a sua rota só for possível de carro, ao menos diminua o impacto combinando caronas.
Ter uma composteira em casa ajuda a aliviar a quantidade de lixo orgânico que enviamos para aterros. Além disso, a decomposição em composteira não libera gás metano, que tem efeito estufa 25 vezes pior que o CO2.
Em 2050, a população mundial será de 9,7 bilhões, conforme a projeção mais recente das Nações Unidas. Para alguns cientistas, ter no máximo um filho será a única forma de garantir recursos para todos os habitantes.
As suas férias também têm consequências: a aviação comercial é responsável por cerca de 2% do total global de dióxido de carbono liberado anualmente pela atividade humana. Viaje para destinos próximos.
Tudo que adquirimos e deixamos de consumir desperdiça toda a energia gasta na sua produção. Livrar-se das emissões geradas não é tão fácil quanto jogar aquele produto vencido na lixeira. Consuma com parcimônia.
Fontes: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Air France; Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação; IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change).