Categories: Noticias Ambientales
      Date: Mai 22, 2017
     Title: Aquecimento global não ‘desacelerou’ no início do século  

Estudo desmente existência de um ‘hiato climático’ que conteve aumento das temperaturas

POR RENATO GRANDELLE

 

Garoto senta em um barco abandonado em região onde ficava o lago Atescatempa, na Guatemala, que
desapareceu após um longo período de estiagem - Marvin RECINOS/AFP





RIO — Uma pesquisa divulgada recentemente pela revista “Science Advances” negou a desaceleração no aquecimento global, alardeada por cientistas que negam a existência das mudanças climáticas.

De acordo com o levantamento, a temperatura global teve um aumento expressivo entre 1998 e 2012, período que ficou conhecido como “hiato climático”, porque o aquecimento do planeta teria sido inferior ao de décadas atrás. Segundo os defensores da teoria, esta seria uma prova de que a elevação dos termômetros é um fenômeno natural, e não uma consequência de ações humanas.

Ao medir a temperatura média global durante o “hiato”, diversos grupos de pesquisa levaram em conta somente a temperatura da superfície do ar, desconsiderando aquela vista nos oceanos. Autora chefe do novo estudo, Iselin Medhaug, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, destaca que fenômenos climáticos extremos, como o El Niño, empurram o calor para outro local, sem que ele deixe de existir — assim, a quentura varrida pelas rajadas de vento foi armazenada no mar, distante da maioria dos sensores.

Estudos recentes mostraram a necessidade de melhorar a detecção da temperatura por boias no oceano. No período do “hiato”, a leitura da temperatura dessas estruturas revelou valores que eram inferiores à realidade.

Outras regiões cruciais no estudo das mudanças climáticas não mereceram a atenção necessária. Uma fração do Ártico, que é mais sensível ao aquecimento global, ainda tem monitoramento precário de suas temperaturas. Quando todos os dados são reajustados, verifica-se que o aumento dos termômetros seguiu a alarmante tendência de crescimento dos anos anteriores.

A equipe de Iselin também se queixa sobre a decisão de marcar o ano de 1998 como o início do “hiato” — foi um momento de El Niño, portanto seria natural que a temperatura caísse após bater um registro recorde.

Mesmo com tantas falhas, a história do “hiato” convenceu muitos especialistas. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas afirmou, em 2013, que o ritmo do aquecimento global havia sido reduzido nos 15 anos anteriores.

— É muito difícil detectar a variabilidade natural do clima e as mudanças na circulação oceânica — admite Paulo Artaxo Netto, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. — A queima de combustíveis fósseis emite 40 gigatoneladas de gases de efeito estufa por ano para a atmosfera. A concentração desta substância mais do que dobrou desde 1850.

LOBBY DAS INDÚSTRIAS

Artaxo ressalta que o mito do “hiato” é sustentado por empresários da indústria de combustíveis fósseis, interessados em emitir cada vez mais gases para a atmosfera.

— Parte dos lucros da indústria do carvão e do petróleo é usado para financiar campanhas que neguem o que a ciência revelou claramente ao longo dos últimos 40 anos — explica. — Precisamos monitorar nosso clima com redes mais rápidas e eficientes. E, também, reduzir ao máximo a liberação de gases-estufa, até zerar as emissões ate 2050.

Coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, André Nahur alerta que, considerando o avanço da temperatura, o planeta já está no “cheque especial”.

— Os recordes de temperatura registrados nos últimos dois anos impactaram processos importantes, como as mudanças de jatos do ar, que são fundamentais para diversos fenômenos climáticos na superfície da Terra, entre eles a fotossíntese de vegetais. Nosso planeta está entrando em um território desconhecido e os choques provocados pelas mudanças climáticas e podem se tornar muito piores do que na teoria.

 

Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/aquecimento-global-nao-desacelerou-no-inicio-do-seculo-21368672